TOCADOR DE BARULHO

Existem pessoas que nascem com “dom”. São os iluminados. Sem nunca ter frequentado uma única aula, pintam quadro, dançam, fazem escultura, viram o camisa 10 de um time. São gênios.

Mas são exceção. Raridade. Eu nasci sem nenhum dom. Ainda bem. Eu me conheço. Eu ficaria me gabando.

Então… no filme Amadeus você conhece a história de Mozart que como pianista e músico, tinha o dom, causando uma raiva incontrolável em Saliere, que fazia muito bem o do-ré-mi-fá, mas estava bem longe de ser um “abençoado”. Mozart era pianista. Saliere, tocador de piano.

Tocar piano é coisa pra quem tem dedos longos, uma puta coordenação e um cérebro com diâmetro acima de 18 polegadas. Eu toco bateria porque você só precisa saber contar até quatro. E toco mal.

O cara que não nasce com o dom, pode aprender piano. Lógico. O cara entra na escolinha usando sandalinha do Bob Esponja e quando se forma tem neto. Se ele for um cara organizado, guarda a sandália pro menino.

O cara que não tem o dom, mas tem vontade, aprende a tocar violão. Não como meu amigo Edinho Godoy. O Edinho é o cara que vai num concerto com 300 músicos e percebe que o indivíduo do violino é corno porque está atrasando em dois pentelhonésimos sua entrada, na sétima entrada da música, porque está pensando na mulher com o amante. Ele é profissional. Mas dá pra aprender a tocar violão apenas como ser humano e virar Pop Star nas festinhas de aniversário, embalando um Eduardo e Mônica com um monte de amigo bêbado que cantam desafinado.

Agora, o cara que nasce sem dom nem muita vontade, toca cavaquinho. Cavaquinho é a versão anã do violão, com uma voz irritante de taquara rachada. Poooooorrraaaa. Um monte de gente vai me odiar a partir de agora.

Quando eu era moleque, tive um amigo que não tinha coordenação para cortar um bife sem jogar o arroz pra fora do prato. Nunca havia pego num instrumento musical. Fiquei três meses sem encontra-lo e quando isso aconteceu, ele tinha um cavaquinho, sabia tocar, tinha montado um grupo de pagode, fazia show e ia gravar um CD. Alguém apertou a porra do botão de >> na vida do danado.

Mas era cavaquinho. Eu era muito novo para entender que dá pra aprender rápido a mexer naquela maquininha de fazer barulho. É tipo um carrinho de bate-bate. Só precisa apertar o acelerador, ir pra frente. E se você fizer tudo errado, acerta.

Escrevi tudo isso para dizer que existe o cara sem dom para pintar. Sem dom para fazer uma escultura. Sem dom para tocar piano. Sem dom até para tocar cavaquinho. Mas Deus, em sua infinita bondade, com pena, dá a esse ser o gosto por pagode, uma voz desafinada, a falta de habilidade musical, uma enorme vontade de aprender a tocar esse brinquedo de filhote de demônio e acredite: morar em apartamento.

Ele nasceu com um dom: O de irritar todos que moram ao seu redor.

1 responder

Os comentários estão fechados.